O carnaval por mulheres negras
Os primeiros folguedos (maracatu, bumba meu boi, congadas, jongo, afoxé, entre outros) e as primeiras escolas de samba e blocos de carnaval tiveram origem no final do século XIX nas periferias do Brasil e são parte das diversas ações de associativismo negro no pós-abolição, como uma maneira de (re) existir, valorizar a cultura e denunciar a situação de vida do povo negro através dos enredos, fantasias e a temática dos blocos.
Essas manifestações – inicialmente brutalmente criminalizadas - atualmente foram cooptadas por esse mesmo país, transformada em abundante fonte de lucros e uma marca da nação, agora com uma profunda diferença: ainda que muitos grupos negros lutem para preservar o caráter de resistência, o espaço do carnaval como um todo perdeu combatividade.
Ao mesmo tempo que nesse período é mais comum vermos rostos negros na televisão, revistas, nas mídias em geral é necessário problematizar as representações sociais, estereótipos e o reforço aos estigmas racistas historicamente construídos. Os corpos das mulheres negras são colocados como cartão de visitas e ultrassexualizados, no papel da mulata erótica tipo exportação que, principalmente nesse período, estará mais disponível para a satisfação dos interesses machistas, em especial dos homens brancos e estrangeiros.
“Não deixe que te façam pensar que o nosso papel na pátria É atrair gringo turista interpretando mulata” (Yzalú/ Eduardo)
Em contrapartida, é comum vermos que mesmo em espaços majoritariamente negros, xs brancxs são os protagonistas e xs negrxs coadjuvantes, sendo que os lugares mais visados são ocupados por não negrxs. Um grande exemplo disso é posto de Rainha do Bateria das grandes escolas de samba brasileiras, o qual na maioria das vezes é ocupado por celebridades brancas e não pela menina negra que cresceu na escola , se preparando e desejando esse posto a vida inteira. Ao passo que o lugar de mulata é um lugar de objetificação, é pertinente que critiquemos que cada vez mais negrxs tenham os espaços de “destaque” ceifados pela branquitude. Consequentemente a valorização da branquitude dá conta de dividir os próprios negros entre os mais aceitáveis e menos aceitáveis. Um exemplo elucidativo disso foi a troca da globeleza Nayara Faustino por Erika Moura, sendo a primeira rejeitada pela Globo e por parte do público por possuir mais melanina na pele e traços menos “finos”, ou, em outras palavras, socialmente mais próximos do padrão branco. Reconhecemos que ambas sofrem as mazelas do racismo, mas suas experiências são diferenciadas, resultado do colorismo. (Blogueiras Negras, acessado em jan/2015)
A intenção desse texto não é acusar xs irmaxs que constroem esses espaços, mas sim desconstruirmos os elementos machistas, racistas e LGBTfóbicos que fundamentam essa realidade e o caráter comercial que o carnaval passou a ter.
Outra questão violenta que nos incomoda é a apropriação desrespeitosa de nossos símbolos de resistência e de luta. É usual vermos pessoas brancas se fantasiando de negrxs, com perucas black Power, turbantes, black face, enchimentos de seios e de nádegas para representar de forma estereotipada, ridicularizada e racista a figura da mulher negra.
Antes mesmo do carnaval tivemos que nos deparar com figuras públicas ridicularizando a figura das mulheres negras, através de black faces e relativizando as denúncias de racismo sob a justificativa de estarem produzindo ”humor”.
Deixamos bem enegrecido aqui: ninguém tem liberdade poética para ser racista! Reafirmamos o que foi dito pela irmã Djamila Ribeiro: Mulher negra não é fantasia de carnaval! (Carta Capital, acessado em fev./2015).
É necessário enfatizarmos que realmente existem pessoas brancas e não-negras que podemos considerar aliadas na luta antirracista, envolvidas intensamente com carnaval, música negra etc, e que essa participação não é um problema em si. Porém, precisamos problematizar os locais de fala e atuação desses sujeitos socialmente privilegiados e repudiar a apropriação descuidadosa e desrespeitosa de gente que só lembra de preto enquanto fantoches de seus projetos “cult” de produção cultural, como se fosse necessária a sua aprovação para legitimar a nossa cultura.
REFERÊNCIAS NEGRAS:
Colorismo: quem decide? http://blogueirasnegras.org/2015/02/03/colorismo-quem-decide/
Mulher negra não é fantasia de carnaval: http://www.cartacapital.com.br/blogs/escritorio-feminista
Mulheres negras - Yzalú/ Eduardo: https://www.youtube.com/watch?v=122kwdWN-v0